Às vezes o espaço entre o que a Lei menciona e a vida das pessoas é imenso, mas não precisa ser sempre assim, podemos pensar em formas criativas de trabalhar e de solucionar conflitos.
Das escolhas profissionais que a gente faz sem perceber...
Essa história começa quando comecei a pensar em qual carreira seguir. Eu sempre gostei de lidar com pessoas, porém, não gostava de sangue, então podia excluir a área da saúde e, por eliminação, optei pela área de humanas. Dentro do grande leque de cursos relacionados com o humano, no final, a escolha pelo direito se deu porque acreditei que através dele, eu poderia ajudar pessoas de uma forma mais prática.
Ocorre que, durante a graduação, à medida que as matérias se aprofundavam - direito civil, contratos, processo civil, processo penal - cada vez menos eu visualizava esse “trabalho com pessoas”. Ao longo dos cinco anos da faculdade, eu aprendi muito sobre direito, sobre leis, normas, princípios, diversas teorias, mas muito pouco sobre pessoas, o que me fez concluir que aquele trabalho envolvia mais papel do que gente.
Não à atoa, depois que me formei fui trabalhar como advogada em um órgão da Assistência Social – enfim, um lugar que lidava com gente, gente de verdade, de todos os tipos e carregando inúmeras potências e sofrimentos, famílias com uma infinidade de problemas concretos e que, pasmem, o direito dificilmente conseguia resolver.
Naquele trabalho, no qual aprendi muito, veio a minha segunda frustração: além da faculdade de direito não nos ensinar a ajudar pessoas que enfrentavam dificuldades, que era o meu primeiro objetivo, a prática do direito também não as ajudava, efetivamente, a solucionarem uma série de situações. O acesso à justiça é algo moroso e, muitas vezes, sem efetividade.
Cheguei a questionar se o direito era mesmo o meu lugar – além de questionar todas as minhas outras escolhas profissionais.
Como construir um sentido...
Apesar da angústia, fui percebendo como me sentia potente durante os atendimentos dessas famílias, ainda mais quando conseguíamos um resultado positivo, que gerava mudanças e garantia direitos para aqueles usuários (as vezes marcados por uma vida de graves violações, inclusive perpetradas pelo Estado).
Além desse espaço que me foi muito significativo, quando passei a atuar com advocacia contenciosa foi possível perceber o efeito de um atendimento acolhedor e de uma troca genuína.
A partir da escuta ativa e de um olhar aprofundado sobre a demanda, é possível delimitar os instrumentos e a estratégia utilizada para determinado caso concreto. Aos poucos, reconheci que esse sempre foi o combustível que me movia para dar continuidade aos processos, às ações, e que manteve firme nessa profissão que, realmente, “não é para covardes”.
Essa trajetória me permitiu questionar sobre a urgência em construir uma forma de atuação que tenha atenção e cuidado com os sofrimentos e dificuldades do outro a partir de outra perspectiva, não apenas uma lista de documentos e um modelo pronto do word ao peticionar.
Por que não buscar soluções criativas e fundamentadas para as questões do cotidiano, ao invés de interpor ações que demorarão anos e que não trarão satisfação para o cliente? Por que não adotar uma postura conciliatória e empática sobre os conflitos trazidos ao invés de estimular o litigio?
E então, um propósito...
Esse blog nasce dessas inquietações e do desejo de compartilhar uma proposta de experiencia de advocacia humanizada. A intenção é promover um espaço para discutirmos como construir essa atuação mais humanizada, tanto para os profissionais como para os clientes.
Você está convidadíssimo a participar, trocar ideias sobre direitos, sobre formas de solucionar conflitos, sobre estratégias para romper situações opressoras (e o que mais a pessoas quiserem conversar por aqui!).
Se você é do direito e, as vezes, também se sente um peixe fora d´água em diversos momentos, #tamojunto!
Se você é de outra área mas também sente essas inquietações ou procura informações de forma acessível, chega mais pra que a gente possa fazer desse espaço o mais plural possível, ou melhor: vamos fazer desse espaço o mais humano possível.
Amei seu texto. Li cada frase atentamente, porque me identifico demais! Como fiquei feliz de ter achado, por acaso, o seu artigo que muito me inspira. Eu sou amante da Defensoria Pública e minha meta é fazer parte da Instituição. Mas enquanto isso não acontece, sigo advogando com o olhar sensível a real motivação e necessidade dos meus clientes. Sei que existem advogados (poucos) com a mesma visão, mas encontrar um deles ameniza minha inquietação, que assim como a sua, tem como objetivo resgatar nossa própria humanidade.